sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Amor à sangue quente

Calo e sinto queimar o desgosto da palavra engolida, o rasgo garganta abaixo pelo soluçar de letras que vem e vão, nunca passando do toque da língua entre os dentes e o céu da boca, nunca adquirindo forma. Pensei em pedir para você ficar, em te falar os engasgos acumulados, te chamar de uma infinidade de coisas ruins, te dar até uns gritos ou ao menos bater a porta na sua cara como fazem as pessoas histéricas (ou não). Podia ter, sei lá, chorado, mandado você ir pro inferno, virado as costas e comido uma panela de arroz doce, ter te dado um tapa na cara tipo novela mexicana, o que aliás sempre passa um pouco pela cabeça das pessoas na hora do drama. Mas não teve dramas. Foi um silêncio dentro e fora de mim, silêncios impreenchíveis, que nem palavra, trilha sonora ou barulho dos carros lá fora daria conta. Silêncio de não dar conta, de fugir todo o alfabeto. Queria ter te dado um beijo de despedida, um afago de amigo mesmo, um salve pelos tempos vividos, meio que de recompensa. Mas não. Fiquei parada como quem olha pro nada, sem ao menos me importar. Sem aquela sensação de posse perdida, sem aquele velho sorriso leve que se mostra por tudo. Sem ter nem te dado um tchau ou até logo, sem aquele clichê de quero que você seja feliz ou foi bom enquanto durou. Não tive palavras. Não tinha palavras nem poderia. Aquele estranho que saiu pela porta da sala já não significava mais nada. Nem fantasma de passado, nem boas memórias, nem tampouco más lembranças. Só a sombra do que um dia foi um homem. Só a capa de um assassino de amores mutilados, sem sentir culpa alguma do sangue em suas mãos.