terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Dizem que samba bom se faz com tristeza e amor. E um pouco de drama. Acho então que a gente daria um samba meia-boca. Daqueles chicletinhos, cheios de clichê. Daqueles de amor que passa. Pra ser samba bom tem que ser amor de verdade. Amor de grandes histórias, de arrancar o juízo, a cabeça, a roupa. Amor daqueles de se jogar de pontagulha, de alma, corpo e todos os elementos. Você nunca foi capaz de pular do seu pedestal, de largar seu medo estúpido, de ser homem e tomar uma decisão. De jogar na minha cara a verdade, de ir e não olhar pra trás. Você sempre voltou que nem um cachorrinho pra mim. Sempre ia e voltava tantas vezes que não deixava que a gente vivesse qualquer coisa que pudesse existir. Você acendia todas as fagulhas e jogava água morna em todas elas. A gente podia ser um samba meia-boca, mas samba meia boca se faz com um punhado de paixão e desilusão ou declaração de amor. Mas nem isso a gente pode ser. Você nunca abriu a boca pra dizer uma vírgula de sinceridade, nem aquela alimentada por alguma bebida quente. Claro. Você era bom demais em seu mundo para esboçar qualquer reação. Você precisava de uma platéia para seu ego se mostrar e assim seguia na dúvida eterna de brincar de vai-e-vem. A gente não dá nem um samba ruim de uma frase só. Para isso alguma peça de roupa deveria ser arrancada ou ao menos uma traição anunciada. A gente definitivamente não daria samba algum. Talvez porque eu sempre joguei toda a culpa em você. Talvez por eu nunca ter enxergado as mentiras e verdades que você dizia para me proteger e não me magoar. Talvez porque foi melhor assim e nós dois tínhamos medo. Ou talvez eu devesse tentar compor mesmo assim. Algum verso de drama, pelo menos. Algum verso pra contar o que um dia foi uma tentativa de amor.

Verão n° 14

Os cabelos dela cintilavam ao vento, que tecia cada mecha em quase cachos, embaraços e ondulações, dando a Melissa uma aparência selvagem e estranhamente bela. Sempre descalça, em sua bicicleta vermelha, ela adentrava o bosque e cada vez mais fundo em meu coração. Havia nela uma beleza ingênua que sumia assim que sorria. Seu sorriso era malícia pura, como de quem sabe o poder que tem, e isso ela realmente tinha de sobra. Melissa é o tipo de garota que você não esquece quando vê, seja por seus cheios e longos cabelos castanhos, pelos olhos ferozes ou simplesmente pela mágica que exala, como se o Universo parasse a cada vez que ela saia de casa. O sol sempre parecia luzir mais forte, as flores coloriam-se para que ela apanhasse uma delas e prendesse no cabelo e até os dias mais cinzentos pareciam palco para que os vestidos rodados e a velha bota marrom fossem as estrelas. Ah, Melissa, não sabes que o mundo parava quando resolvia trocar duas palavras comigo? Quando dançava de olhos fechados na varanda de casa, quando no fim da tarde pulava no rio e saia encharcada com os gritos de sua mãe? Após trinta dias de sonhos e suspiros de melissas e por Melissa, consegui enfim arrancar um beijo, que marcou toda minha infância, e ainda perturba vez em quando minha mente o sorriso sacana de Melissa andando de bicicleta, nas tardes do verão de 86.

PS: Aquele foi e será um dos melhores verões de minha vida, no sítio dos meus avós em Sapoti. Quanto a Melissa, se mudou e em 87 senti o vazio de minha primeira desilusão amorosa. A partir dai, minhas férias de verão nunca mais foram tão coloridas. Não sei para onde foi e nunca mais tive notícias dela. Ah, o amor e seus desencontros.

Contra-capa

Voltei a ler aquele livro que você me deu, não sei se por saudade ou por nostalgia. Aquelas suas palavras doces escritas em letras engraçadas e meio que garranchos disfarçados, que tanto reclamei e insisti em te dar caligrafias - todas esquecidas junto com as palavras cruzadas arrancadas do jornal de domingo- passeiam em um passado recente de memórias sussurradas: "É pra te ver crescer por dentro e por fora, minha menina, Pra te lembrar de ter fé e te trazer sorriso. Do teu amor pra vida inteira, Edu." Ah, uma vida inteira acho que se passou desde o livro, agora meio empoeirado, desde nosso amor, desde sua dedicatória, desde que tínhamos 16 e achávamos que primeiro amor durava para sempre... Hoje os brancos já começam a cobrir seus cachos onde meus dedos enroscavam e passeavam em cafunés intermináveis. Hoje, aquela menina que fui se perde entre jornadas de trabalho, reuniões de pais e professores, cansaços constantes e aquele livro que você me deu, que voltei a ler por saudade de ser sua menina, quando a gente achava que o amor era andar de mãos dadas no fim da tarde na pracinha, quando a gente achava que primeiro amor durava para sempre, e pelo visto, acho que a gente estava certo quanto a isso. Pra que você saiba que eu cresci com muita fé e muitos sorrisos, graças a você, ao nosso amor e aos nossos filhos, de sua mulher e eterna menina, Carol.