sexta-feira, 1 de julho de 2011
Piloto automático
Esse nada, esse rasgo cortante, engasgo de ócio misturado com ódio, com lágrima. Desatinado de percorrer caminhos circulares, de voltar pro ponto de partida, de não se resolver, de não buscar querendo achar e procurar em vão, sem resposta, sem cabimentos, encaixes mesmo tortos, que se complementem ao menos em um ponto de qualquer coisa. Raiva sabe lá de quê, dos hormônios, do mundo, de si. Revolta casual sem causa, sem cor. Preto e branco mudo, como tempo distante, memórias veladas, fundo-do-baú. Talhando a carne, recortando nuances e desviando caminhos, linhas, difuseando tudo até ficar só o desfoque. Procurando o que sentir, o que dizer, escrever, o que respirar, suspirar cansado, ofegante, apneico. Tentativa de chorar sem água com sal, chorar o que vier, o que tiver que se chorar, sem se ter nada, e ainda assim insistir. Riscando, pintando à giz de cera os fatos, apagando mal apagado os atos, em auto relevo com corretivo branco, sujando as mãos, lavando em vão a sujeira, que fica impregnada, até rasgar o papel, chutar o balde, a bacia, o que tiver pela frente. Até deixar tudo no estrago, o acaso levando, o coração penando, a vontade sem vontade, a vida sem guidom e sem volante.
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