sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Quão patético pode ser estar sozinho num ponto de ônibus tão tarde em pleno sábado a noite? Sem nenhum amigo pra conversar, sem nenhuma garota para dividir a cama, sem nenhuma festa pra ir. Era o que Mauro se perguntava a todo instante, enquanto a droga do ônibus já estava meia hora atrasado. Estava voltando da casa dos pais, como se fizesse alguma diferença morar sozinho e continuar indo lá todos os dias. 28 anos nas costas e ainda não havia concluído nenhum curso universitário, e olha que já estava no 3°. O que poderia piorar? Seu estágio era insignificante e só servia para pagar o aluguel, a mesada continuava a ser dada pelos pais, seus colegas eram muito mais jovens e muito mais inteligentes. Mauro não era nem o pior, nem o melhor filho, aluno ou amigo. Era normal, mediano, quase que apático. E pouco se importava com isso. Seguia sua rotina, seu próprio relógio, e ia levando. Estava ouvindo uma música qualquer que andava tocando direto na tv, olhando o celular sem nenhuma mensagem ou ligação perdida e reclamando sozinho do atraso de mais de 45 minutos do ônibus. Já pensava em voltar pra casa dos pais quando o ônibus finalmente chegou. Foi dormindo e acordou com o barulho de sirenes, uma luz forte e várias vozes. Adormeceu novamente e quando acordou seus pais estavam na beira da cama. De um hospital. Tinha passado 10 dias em coma. O ônibus bateu de frente de um caminhão e somente ele tinha sobrevivido. Um milagre. Era o que estampavam as capas dos jornais. Um renascimento, uma nova vida. Deu algumas entrevistas, as pessoas o cumprimentavam como um herói nas ruas, uma mistura de alegria com piedade. Ganhou um bom dinheiro do seguro, arranjou uma namorada e um punhado de amigos.

5 anos depois. 33 anos nas costas. Mauro ainda não havia concluído nenhum curso universitário e havia voltado para a casa dos pais. Havia ido depois do acidente e não saiu mais. Seus pais estavam aposentados e viajavam praticamente todo mês. Não tinha mais namorada. Seus amigos eram apenas 3 do punhado que tinha, e iam toda sexta feira pro carteado na casa de Mauro. O dinheiro do seguro acabou em 6 meses. Arranjou um emprego meia boca. Ganhava um salário mínimo e mais um pouco que conseguia roubar da aposentadoria dos pais. Sábado a noite. Nenhuma festa pra ir, nenhuma garota para dividir a cama, seus 3 amigos estavam com a esposa e os filhos. Quão patético pode ser uma vida insignificante? O suficiente para tentar tirar a vida com umas bolinhas de chumbinho.

1 semana depois. Mauro continuava agonizando na cama do hospital. Já havia perdido o fígado e um dos rins. Não falava, o chumbinho havia corroído sua garganta e todo o aparelho digestivo. Não conseguia respirar. Morreu num dia qualquer. Numa tarde nem quente, nem fria. Em seu enterro contavam-se no máximo 20 pessoas. Seus pais estavam conformados. Choraram por um mês e depois resolveram ir visitar uma parente no Rio de Janeiro. Acabaram ficando por lá. 

2 anos depois. Ninguém se lembrava mais de quem havia sido Mauro. Ninguém sequer compareceu à missa de aniversário de sua morte. Ninguém sequer parou pra pensar onde ele estaria àquela hora. Até que um jornalista que o havia entrevistado no hospital após o acidente resolveu pesquisar sobre por onde ele andaria. Descobriu que Mauro havia se matado. Conseguiu uma matéria de capa. Culpou a empresa de ônibus, arranjou testemunhas que diziam que Mauro entrou em uma profunda depressão após o acidente. Apareceram algumas pessoas dizendo ter estudado com ele. Falaram que era uma pessoa tão inteligente que havia passado por 3 cursos universitários e não havia concluído porque não eram suficientes para o seu grande intelecto. Ah, sua ex namorada passou na tv, chorando pela morte de Mauro, inconformada com o rumo que ele tomou após o acidente. Seus pais foram rechaçados por não terem notado os sérios problemas psicológicos que o filho passava. Um colega que dividiu o apartamento com ele disse que Mauro havia voltado para a casa dos pais por não suportar a própria solidão. Uma nova legislação foi criada, objetivando obrigar as empresas de ônibus a fornecerem tratamento psicológico às vítimas em caso de acidente. As pessoas clamaram por justiça em frente à sede da empresa. O nome de Mauro foi aclamado por um mês inteiro, e o jornalista recebeu um prêmio por seu grande trabalho de resgate à memória de um grande herói. E o herói, por fim, teve uma lápide nova fixada em seu túmulo com os dizeres: "Uma morte honrosa à quem a vida foi tão injusta". Centenas de pessoas aplaudiram de pé, levando flores e entoando canções. Ah, agora sim fizemos justiça! Suspirou uma delas.

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