Eu sinto falta de coisas que não sei se algum dia terei. Decerto nunca tive. É omo se houvesse uma camada rasa de água, quando entramos num rio de águas escuras e só fossemos até onde nos sentimos seguros. Acostumamos e depois passamos a nadar na parte mais profunda, quando os pés não tocam o chão. Eu sempre gostei de mergulhar de olhos fechados e abrir os olhos no meio do caminho. Mesmo quando tudo é turvo, enxergo beleza na orientação mais intuitiva que perceptível. Eu gosto de nadar nas águas escuras do ser humano, de conversas profundas sobre o nada, de virar madrugadas nessas coisas meio sem sentido, mas que transbordam as pessoas entre o quase sono e o desejo de continuar a conversa. Eu desejo coisas que não sei se as pessoas estão prontas para vivenciar, ou talvez se cansem pelo comodismo, pelos dias, pela fase ultrapassada da conquista. Eu desejo cada pedacinho que despretensiosamente se desenrola no olho no olho pós vinho, na embriaguez dos corpos que não conseguem fazer mais nada além de trocar palavras e questionamentos sem pé nem cabeça. Talvez seja uma tendência a romantizar as coisas, talvez seja o nível de intimidade que chegou ao ápice e agora declina na certeza da constância. A cumplicidade nos torna refém da mesmice? Acaba-se a magia e o interesse ou é tudo um sonho do qual acordei e busco voltar a dormir pra continuar de onde parei mesmo sabendo que isso não vai acontecer. E continuo pensando ao longo do dia até onde esse sonho teria chegado se eu não tivesse acordado naquele momento crucial. Tive ou fantasiei? Seremos assim nos dias juntos ao peso dos anos que comemoramos juntos? No peso da vida, da rotina e dos problemas conjugais? Nos entreteremos nas meias noites ou apenas dormiremos cansados do dia massacrante que se passou? Ser pra sempre vai ser suficiente pra aplacar a minha ânsia de profundidade? Viveremos por completo ou a vida vai se encarregar de nos arrastar feito tempestade de areia e sem cobrir os olhos nos cegaremos de grãos não ditos e expectativas frustradas? Nos desejaremos por igual no fim de tudo? Nos amaremos até a necessidade de deitar as costas na cama chegar? Até a vida nos levar onde queremos?
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