Tenho saudades do tempo em que passava o dia construindo a casa e a vida de minhas bonecas, em que felizes eram os dias de calor em que bexigas cheias de água eram atiradas umas nas outras, onde saber das coisas era vital para não tomar torta na cara e a agilidade vinha em forma de conseguir pegar a bandeirinha sem que o time adversário visse. Saudades de quando bom mesmo era ir aos domingos pra fazenda catar cajá e acerola do pé e saia correndo feito louca morrendo de medo depois de atentar as vacas e as galinhas. Saudades de quando o quintal da vizinha era uma floresta e um mundo inteiro cabia numa tarde de fazer fogueirinhas e cozinhar coisas em copos de alumínio. Do mesmo tempo em que gibis e revistas faziam com que tudo ao meu redor se apagasse a tal ponto de não ouvir ninguém me chamando ou me dando mais uma bronca por não prestar atenção em mais nada. De quando adultos eram apenas adultos, crianças eram apenas crianças e respeito era o que a gente devia ter com os mais velhos e com os outros. De quando ter ou não alguma coisa não importava, pois sempre haviam pratinhos e copos que viravam mesas, cds que viravam paredes, toalhinhas que viravam camas e tudo mais quanto fosse objetos que poderiam virar móveis e o que mais a imaginação mandasse. De quando subir em árvores, muros, descer ladeiras de patins e cair mil vezes de bicicleta eram atividades desempenhadas sem medo de acabar com vários cortes e feridas. De quando padrões de comportamento, beleza ou corpo não eram sequer avaliados ou pensados e a única coisa com a qual me importava era a hora que passaria o meu desenho preferido. Mas saudade maior mesmo eu tenho de não enxergar quão vazias, ruins ou mesquinhas podem ser as pessoas. Do não julgamento que há na infância, derivado da pureza de coração e de alma que se mantém até que sejamos contaminados com o abrir dos olhos pro mundo. E com os olhos abertos, a gente vê o medo, os padrões, o egoísmo, o circo e reino animal disfarçado em ser pensante. A gente acorda e de repente precisa se enquadrar, se adaptar, sobreviver e viver uma luta por dia em busca de uma felicidade que é ter, ser melhor, maior, mais forte, mais rico, mais bonito, mais dentro do padrão, até que os olhos voltem novamente a se fechar, dessa vez, pela morte. Fecha-se então o ciclo. Ou não. Pra toda imposição, há a revolta, pra todo padrão a fuga, e, então, pros olhos abertos, os sonhos e não mais saudade. E então, ao ver naqueles que não se entregam, não se conformam e não se deixam adaptar, sinto menos falta do que fui e mais vontade de dias de sol e tarde quentes felizes ou não, mas sempre sem ser formiga, sem ser só mais um ser submetido a uma forma, sem que seja necessário absorver todo o egoísmo, a maldade, a lei da selva que nos é jogada cotidianamente. Sigo com saudade, mas além disso, com desejo de viver como criança, sem medo, sem filtros e sem julgamentos.
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