sábado, 12 de fevereiro de 2011

redenção

Era um dia chuvoso na primavera de 1756 e Adélia acordou feliz, após ter consumado a primeira noite de amor com seu único e eterno homem, o negro forte e bonito José. Levava uma vida miserável trabalhando incansavelmente na plantação, na casa da sinházinha e na senzala, mas apresentava um sorriso enorme que só sonhadores podem ter. Beirava os 15 - pelo menos é o que lhe diziam os mais velhos - e carregava no peito todo amor que nunca havia recebido até aparecer José, comprado da fazenda vizinha e cobiçado por todas as outras negras. De ancas largas, cabelos pretos cacheados e cheios, formosa na flor da juventude, Adélia parecia imersa em um mundo encantado, imaginado por ela pra esconder toda a realidade degradante que levavam. Trabalhou como nunca, ajudou Ana e Sinhá Vitória a se vestir para ir a missa, aprontou as galinhas para o jantar e limpou as feridas de Damião -açoitado a mando de Coronel Antônio. Mas nem o cansaço lhe tirava a felicidade, aquele era o melhor dia de sua vida, e ah, José agora era seu, só seu, pra sempre! E nada mais lhe importava. Mas veio a noite, veio o chamado da Casa Grande, veio o Coronel Antônio, veio os medos, o animal-homem. Veio o monstro a lhe arrancar a blusa, a invadir seu corpo, a lhe tomar seu sorriso e sua felicidade. Veio o sangue entre as pernas, veio a humilhação. E veio a dor que nunca sentira antes, veio a realidade a rasgar seus sonhos, veio bater a sua cara o fim da fantasia. Estava agora no chão da cozinha, jogada como bicho, emaranhada, soluçando em choro silencioso, oca, sem vida, sozinha. Seu olhar alcançou a faca em cima da mesa, veio a força e veio novamente o sangue. Seu coração rasgado de dor agora rasgava-se de faca. Veio José, delirava Adélia, balbuciava gemidos quase inaudíveis, José gritava, jurava vingança, mas a dor vinha ainda mais. - Eu te amo, eu te amo! foi o que conseguiu dizer e tudo se apagou. Tudo sumiu. E José dizia não me deixe, e eu tambem te amo, e não posso viver sem você, e não era vingança, não era ódio, mas era amor, amor o consumia, e ele arrancou a faca do peito de sua amada e cravou na propria alma, no proprio corpo, em busca de seu amor, em busca de sua mulher. E veio o sangue, um rio de sangue, uma união de sangue. E o sangue dos dois se misturaram, e os corpos mortos abraçados, selados num beijo de morte, jaziam no chão da cozinha, e a primavera se enchia de cores, e veio a chuva e veio o nada, veio o reencontro, veio a redenção. E as almas vagaram juntas rumo ao paraíso, e nada mais importava, e tudo era luz, e tudo era fantasia, e tudo era sonho de Adélia, e tudo era belo e tudo era amor, e delírio. E José era seu, ah, era seu, pra sempre, pra sempre!





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E se era realidade ou delírio não se sabe. Mas se pode escolher acreditar em um dos dois. Então, qual você prefere?

Um comentário:

Teka Almeida disse...

Acredito mais a cada dia que os amores verdadeiros, não necessariamente eternos, são aqueles lavados pelo sangue, pelo suor ou pelas lágrimas.

Intenso Jéu, muito!