terça-feira, 9 de julho de 2013

O dia em que o tempo parou


No dia em que o tempo parou, ela não estava preparada. Não teve tempo para isso. Corria tanto rumo a seus objetivos, enfurnada em seus livros de física, cálculo e outros números infinitos que valoram x, que nem percebeu que a hora não corria e pôs-se a estudar mais e mais para a prova da semana que vem. Vitor estava vendo a 8ª temporada de uma das suas dezenas de séries favoritas, "Ainda tenho que terminar essa e mais duas da outra série épica eleita-a-melhor-de-todos-os-tempos-pela-terceira-vez-no-ano." Assistiu essa, mais outra, mais uma quarta, sexta, sétima, "nossa, como cheguei até essa daqui?" Juliana dormia após mais uma noite perdida de festas imperdíveis que todo mundo vai e eu tenho que ir. Dormia desde às 6 da manhã, e nem 48 horas seriam suficientes para recuperar as energias gastas no fim de semana inteiro. Joaquim chegara em casa após uma tarde inteira entre papéis e carimbos e outras tantas burocracias da agência de imigração em que trabalhava. Analisava passaportes cheios de viagens no mundo inteiro, "essa aqui já foi até pro Camboja, enquanto eu não sai nem da casa de meus pais". Ia fazer seu ritual de sempre: banho, tv e cama para começar o mesmo dia de todos os dias, mas dessa vez resolveu se cadastrar em um site de encontros para ver no que dá. E o tempo, por sua vez, parado. Sem horas, prazos, perspectivas ou mês que vem vou fazer isso e aquilo. E as pessoas ocupadas demais com suas rotinas, se esqueceram de atentar que as horas não passavam e o relógio não corria. 
No dia em que o tempo parou, o tempo percebeu que não era ele quem definia o fluxo das coisas e das ações. As pessoas continuavam fazendo as mesmas coisas de sempre, agindo do mesmo jeito, continuavam na corrida de seus dias e suas noites, ficando o tempo mais lento na medida de suas ansiedades e mais rápido na medida de seus desesperos. E o tempo, frente a indiferença que fazia deixar de correr ou não, desistiu de tentar ajudar os humanos e voltou a correr novamente.
Ele dividia seus dias entre a faculdade, o estágio e o trabalho noturno de garçom, vezes cantor em barzinhos mixurucas. Ralava mais que tudo para conseguir pagar o aluguel da quitinete e ainda sonhava em um dia poder tocar pra ela a música que compôs. Ela passava sempre por ele na biblioteca, com pilhas de livros, textos e papéis meio bagunçados quase saltando por dentro do classificador. Pegou seu violão e resolveu ir até a casa dela, mas foi recebido com um rude "você deveria estar estudando para a prova da semana que vem em vez de ficar passeando por ai". Foi embora, mas no meio do caminho resolveu que tentaria mais uma vez. Sabia que ela não tinha tempo, sabia que ela bateria a porta na sua cara de novo, mas resolveu não desistir. Voltou e nem deixou que ela falasse, sentou no sofá da sala e tocou os versos ensaiados incansavelmente na frente do espelho. Acabaram-se os acordes e eles se olharam em silêncio por um momento até que ele a puxou e a beijou. Beijaram-se lentamente por horas a fio, até que ele olhou o relógio com medo de estar atrasado para o trabalho e percebeu que o ponteiro continuava no mesmo lugar. Pensou que o relógio havia parado e olhou no celular, no relógio da sala, na tv, no celular dela, e todos marcavam exatamente o mesmo horário, sem um segundo a mais ou a menos. E percebeu então que o tempo havia parado.
Desse dia em diante, o tempo percebeu que a indiferença da humanidade inteira não era nada se pelo menos uma pessoa pudesse notar e aproveitar plenamente a eternidade concedida de tempo em tempo por ele. E prometeu parar toda vez que o amor ou outro sentimento suficientemente forte se fizesse presente o bastante para fazer valer cada segundo do tempo posto a disposição. 

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